terça-feira, 15 de setembro de 2009

Na toca do inimigo: uma visita ao jornal Olé


O taxi parou em frente ao prédio de número 1846 da calle Tacuari, no bairro Constitución. Eram 16 horas da sexta-feira passada, dois dias depois da derrota da Argentina para o Paraguai. A vaga para a Copa ficou ameaçada. Maradona, depois da Cristina Kirchner, é a pessoa mais detestada no momento por boa parte dos argentinos.

Na conversa por telefone que havia mantido com dois sujeitos da redação, o Demian e o Carlos, na véspera, agendando a visita ao jornal, senti uma certa animosidade, muita desconfiança da parte deles. Fiquei pendurado ao telefone uns 10 minutos, um passando pro outro e outro passando para um terceiro. Fui insistente. Expliquei que seria apenas uma visita de cortesia para saber como funciona ‘o maior jornal esportivo das Américas’ (puxei o saco para ver se eles cediam).

Pensei em esclarecer que não era uma gozação sutil de um brasileiro depois da humilhação imposta pelo time do Dunga. Imaginei que eles poderiam estar pensando isso. Afinal, por que um jornalista brasileiro aparecia justo nesse momento de profunda desolação futebolística dos hermanos? Ele deve estar querendo ver de perto como estamos sofrendo, por que não fazemos agora aquelas manchetes debochando dos ‘macaquitos’? Será que é só coincidência esse brasileiro aparece agora? Pensei essas coisas diante da resistência e da má vontade dos ‘colegas’. Fosse o contrário, eles seriam recebidos com cordialidade na redação do CP, podem estar certos disso.

Aliás, foi o que enfatizei na portaria, guarnecida por dois seguranças que me olhavam como se eu fosse o Dunga. O sujeito da portaria se esforçava para não entender o que eu queria. Expliquei que eu estava sendo esperado. Insisti. Fui perdendo a paciência. Uma coisa que eu aprendi rapidamente em Buenos Aires, os argentinos não fazem a mínima questão de entender o que queremos. De um modo geral, claro.

O recepcionista, enfim, concordou em me deixar subir. Me deu um crachá de visitante e lá fui eu. Redação do Olé, segundo andar. Desci do elevador e deparei com uma porta de vidro. Estava escrito ‘Olé’. Tirei a máquina do bolso e saquei uma foto, rapidamente. Não sabia se poderia tirar fotos lá dentro. Afinal, estava entrando na toca do inimigo.

Falei com três pessoas antes que viesse alguém para me dar um pouco de atenção. Ocorre que o Demian e o Carlos, com quem havia combinado na véspera, estavam de folga (detalhe: os jornalistas argentinos trabalham cinco dias por semana, folgam dois). Eles não haviam avisado os colegas de minha visita.

Um dos editores do jornal, Juan Pablo Méndez, veio ao meu encontro. Expliquei quem eu era, exibi meu crachá do CP, que ele conferiu atentamente. Méndez cuida da editoria de internacional. Ele me explicou que recém havia terminado a reunião de pauta, realizada sala em que conversamos. Méndez tinha em mãos um rascunho do que seria a edição do dia seguinte, sábado, com os nomes dos responsáveis pelas páginas. Quem iria cobrir os jogos da rodada, etc.
- Alguma coisa sobre o futebol brasileiro -, perguntei. Ele disse que sairia algo sobre o De Federico, que estrearia no Corinthians. Perguntei pelo Guinazu e pelo D’Alessandro. Ficou surpreso quando eu disse que o D’Alessandro havia voltado a jogar e que estava muito bem. Os dois teriam chance na seleção argentina? Ele disse que não, talvez o D’Ale. Guinazu de jeito algum, frisou o argentino.
Percebi que ele estava louco pra me despachar. Conversamos sobre a cobertura dos jogos, a seleção argentina. Ele culpa o Maradona pelo fracasso do time. Até que cheguei ao que me interessava:

- Por que o Olé pega tanto no pé do Brasil, algumas vezes com baixaria, brincadeiras de mau gosto, agressivas, e poucas vezes apenas engraçadas?

Ele me olhou, respirou fundo e respondeu mansamente, mal disfarçando sua irritação e seu tédio com aquela conversa.

- É que o futebol brasileiro é o nosso maior adversário. É o nosso grande inimigo. Então, sempre que possível fazemos manchetes debochadas, mas sem maldade. Nós até admiramos o futebol brasileiro. Eu, por exemplo, gosto muito do Ronaldinho Gaúcho. Hoje, não tanto. Admiro o Kaká, o Adriano... Mas o Brasil é o nosso grande rival, não podemos esquecer isso.

Perguntei sobre a questão dos macaquitos, expressão usada pelo jornal em algumas ocasiões. Ele acordou, sentiu o golpe, e foi rápido na resposta, curto e grosso:

- Ah, isso foi em 1996 (não conferi), nas Olimpíadas. Haveria o jogo Argentina contra o Brasil na rodada seguinte e um colega deu a manchete “que venham os macacos”. Isso foi muito ruim. No outro dia, ele pediu desculpas, mas isso está superado.

Senti que ele queria terminar a conversa. Pedi para tirar uma foto da redação. Ele pediu para eu não sair da sala e esperar por seu retorno. Demorou uns minutos. Perguntou que tipo de foto. Eu respondi que seria uma foto geral. “Ah, então está bem”. Será que eu estava numa indústria bélica, onde se fabricam armamentos de última geração, que não poderiam ser fotografados? Seria eu um espião? Confesso que pensei isso. Mas senti que era apenas mais um sinal do quanto ele e o pessoal ali se sentiam incomodados com a minha presença.

Tirei duas fotos apenas. Ele nem disfarçava mais que queria me ver pelas costas. Perguntei quantas pessoas trabalhavam na redação. Mais de 40, e tem ainda os correspondentes. Boca Juniors e River Plate tem setores bem definidos, dois ‘currais’, quadriláteros com três ou quatro jornalistas, pelo que pude perceber. Ele cansou e foi direto ao ponto:

- Bem, eu preciso trabalhar agora.

Agradeci a atenção e virei-me para voltar pelo caminho de entrada.

- Não, pode sair por aqui -, disse, apontando uma porta próxima, e já se dirigindo para algum ponto qualquer da redação. Sai sem olhar para trás. Estou igual ao Dunga, olhando o Maradona e os argentinos pelo retrovisor.

4 comentários:

  1. Conseguiste sair vivo da redação do Olé, hein?
    Parece o Brasil, um marca algo e não avisa os demais.
    Espero que não tenha pego alguma doença estranha por lá.

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  2. 1 - Parabéns pela matéria

    2 - lembro d euma manchete desse tipo, nas Olimpíadas de 1996, mas lembro q não foi so com o Brasil, mas também com a Nigéria.EM SEQUÊNCIA, Ou seja, RACISMO SIM!
    3 - Sem essa de que aqui não seria como lá, q os receberiam bem (em situação parecida), a imprensa daqui não atura crítica.
    4 - Teu amigo q entra aqui pra xingar o "LUIS CARLOS REZE", segundo ele E TODA EQUIPE DA GUAÍBA acusando-a de COLORADISMO, não fala nada quando o Corrio IGNORA que aconteceu um pênalti escandaloso noTyson, não marcado e os favorecimentos ao Palmeiras (teve pênalti não marcado domingo passado, DE NOVO)
    5 - Nem te corrigiram (não estava 2X0),nunca esteve.

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  3. Por que não transformar este post em matéria para o Correio do domingo ? Bela história...

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  4. Amigo, soy Juan Pablo Méndez. Por qué tanto misterio en el relato de su experiencia. Si yo, que no tenía cita con usted, lo traté con alto respeto. Obvio, tenía que trabajar, y por eso no le di tanto tiempo. Eso es todo. Por qué pensaría que Olé es un enemigo? Si somos periodistas, amables y recíprocos.
    Abrazos.

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